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Nossa paulicéia: retratos, retalhos...
05/10/2006
Galeria do Rock
Um dos vãos existentes entre os andares da galeria, visto do último andar, por Adriano Vieland

O Shopping Center Grandes Galerias, localizado entre a Avenida São João, 439, junto ao Largo do Paissandu, e a Rua 24 de Maio, 62, é um paraíso, um abrigo, refúgio, ponto de encontro. A "Galeria" é um show! Bom, pelo menos esse é o sentimento dos amantes do bom e velho rock'n roll (e me incluo nessa lista).

O prédio comercial foi fundado em 1963 e teve o projeto arquitetônico de Alfredo Mathias, que buscou inspiração nas linhas de Oscar Niemeyer (nota-se muito bem isso nas formas onduladas de sua fachada e em cada vão disposto entre os andares do prédio).

Em sua origem, a Galeria contava com estabelecimentos de diversos segmentos, de salões de beleza à assistências técnicas, porém, a partir dos anos 70, com a instalação da loja de discos Baratos Afins, foram se multiplicando as lojas especializadas em música, a ponto de praticamente 200 de seus 450 estabelecimentos serem desse segmento.

Na primeira versão do Panorama São Paulo, no dia 15 de abril de 2003, escrevi uma crônica sobre minha primeira visita à Galeria do Rock, e como viciei em ir lá; abaixo segue a reprodução dessa crônica.

"Era um sábado, novembro de noventa e cinco. O dia, eu não sei. Eu vestia uma camiseta dos Sex Pistols, branca, a estampa com o rosto de Sid Vicious na frente e o logotipo clássico junto à capa de Never Mind The Bullocks, nas costas. Fomos, eu e meu pai, comprar componentes eletrônicos na Santa Efigênia.

Na volta, chegando ao largo da Santa, entramos à direita, na Antônio de Godói, até o Largo do Paissandu (que deveria ser do Paiçandu, mas esse desrespeito à Gramática, no momento, não vem ao caso nem altera a história). Contornamos a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo, chegando à São João.

Enquanto o semáforo dava passagem aos automóveis e impedia a nossa, eu ficava observando o caos: letreiros, placas, faixas, pessoas, pombas, ônibus, fumaça, barulho. Sinal vermelho, "corre moleque, corre", e pronto: chegamos ao Shopping Center Grandes Galerias que, à primeira vista, além de não se parecer com o que estamos acostumados a chamar de shopping center, é pra lá de esquisitão.

Da entrada, na São João, duas rampas: uma descendente e a outra ao contrário. A primeira, conduzindo ao sub-solo: lojas especializadas em hip-hop, rap, black, afro, samba, alguma música eletrônica, botequins, cabeleireiros e afins. Não descemos, afinal, eu era o rock. Subimos a outra, acesso ao térreo: lojas de roupas e calçados, chaveiros, mais botecos, duas escadas rolantes (bem... , uma realmente rolante, subindo, e outra estanque, parada, nem subindo, nem descendo, morta) e a outra entrada das galerias, pela rua 24 de Maio.

Haveria uma certa simetria das lojas com relação às duas entradas, como se houvesse um espelho, onde tudo o que houvesse de um lado, haveria do outro. Atrapalhando a perfeição, havia o mezanino com a sex shop, voltado apenas para a São João.

Subindo ao primeiro andar, eu me encontrei perdido num paraíso: nunca vira tantos discos, CDs, pôsteres, cabeludos, cabeludas; nem sentira a combinação do aroma de sanduíche de pernil e com o odor de tinta para silk-screen (especialidades do local).

Daí em diante, subia andares... descia andares... ia por escadas rolantes que rolavam... escalava aquelas rolantes que não rolavam... me enrolava em escadas enroladas que não eram rolantes... e caminhava sobre o chão quadriculado, envolvido em cheiro de pernil e grades, lojas, Raul Seixas, arrulho de pombinhas, odor de silk-screen, carecas, John Lennon, cabeludos, churrasquinho grego com groselha grátis, e o barulhinho do motor agudo da máquina de tatuagem, ligando-desligando o tempo inteiro, vertiginosamente... viajando naquela série de enormes vãos - anéis que cortam o chão da galeria em vários andares -, eu me debruçava e olhava três, quatro andares lá pra baixo, me apoiando na grade alaranjada e molenga.

Boa parte de uma manhã na trilha de prazeres torturantes, sem um trocado no bolso sequer que desse pra eu comprar um broche...

E foi assim que eu viciei em ir à Galeria."


 

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Publicado por Adriano Vieland às 08:55 | permalink | compartilhar
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